Lyrics and translation Vitor Ramil feat. Kátia B & Marcos Suzano - Joquim

Joquim

Satolep, noite
No meio de uma guerra civil
O luar na janela não deixava a baronesa dormir
A voz da voz de Caruso, ecoava no teatro vazio
Aqui nessa hora é que ele nasceu
Segundo o que contaram pra mim

Joquim era o mais novo antes dele havia seis irmãos
Cresceu o filho bizarro, com o bizarro dom da invenção
Louco, Joquim louco, o louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Quando o cara aprontava mais uma

Joquim
Joquim
Nau da loucura no mar das idéias

Joquim
Joquim
Quem eram esses canalhas, que vieram acabar contigo?

Muito cedo ele foi expulso de alguns colégios
E jurou, nessa lama eu não me afundo mais
Reformou uma pequena oficina
Com a grana que ganhara vendendo velhas invenções
Levou pra lá seus livros, seus projetos
Sua cama e muitas roupas de lã
Sempre com frio, fazia de tudo
Pra matar esse inimigo invisível

A vida ia veloz nessa casa
No fim do fundo da América do Sul
O gênio e suas máquinas incríveis
Que nem mesmo Júlio Verne sonhou
Os olhos do jovem profeta
Vendo coisas que só ontem fui ver
Uma eterna inquietude e virtuosa revolta
Conduziam o libertário

Dezembro de 1937
Uma noite antes de sair
Chamou a mulher e os filhos e disse
Se eu sumir procurem logo por mim
E não sei bem onde foi
Só sei que teria gritado a uma pequena multidão
Ao porco tirano e sua lei hedionda
Nosso cuspe e o nosso desprezo

Joquim
Joquim
Nau da loucura no mar das idéias

Joquim
Joquim
Quem eram esses canalhas que vieram acabar contigo?

No meio da madrugada, sozinho
Ele foi preso por homens estranhos
Embarcaram num navio escuro
E de manhã foram pra capital
Uns dias mais tarde, cansado e com frio
Joquim queria saber onde estava
E num ar de cigarros
De uns lábios de cobra, ele ouviu
Estás onde vais morrer

Jogado numa cela obscura
Entre o começo e do inferno e o fim do céu
Foi assim que depois de muitas histórias
A mulher enfim o encontrou
E ele ainda ficou ali por mais dois anos
Sempre um homem livre apesar da escravidão
As grades, o frio, mas novos projetos
Entre eles um avião

O mundo ardia na guerra
Quando Joquim louco saiu da prisão
Os guardas queimaram os projetos e os livros
E ele apenas riu, e se foi
Em Satolep alternou o trabalho
Com longas horas sob o Sol
Num quarto de vidro no terraço da casa
Lendo Artaud, Rimbaud, Breton

Joquim
Joquim
Nau da loucura no mar das idéias

Joquim
Joquim
Quem eram esses canalhas que vieram acabar contigo?

No início dos anos cinquenta
Ele sobrevoava o laranjal
Num avião construído apenas das lembranças
Do que escrevera na prisão
E decidido a fazer outros, outros e outros
Joquim foi ao Rio de Janeiro
Aos órgãos certos, os competentes de porra nenhuma
Tiraram uma licença

O sujeito lá responsável por essas coisas lhe disse
Está tudo certo, tudo muito bem
O avião é surpreendente, já vi
Mas a licença não depende só de mim
E a coisa assim ficou por vários meses
O grande tolo lambendo o mofo das gravatas
Na luz esquecida das salas de espera
O louco e seu chapéu

Um dia alguém lhe mandou um bilhete decisivo
E claro, não assinou embaixo
Desiste, estava escrito, muitos outros já tentaram
E deram com os burros n'água
É muito dinheiro, muita pressão
Nem Deus conseguiria
E o louco cansado, o gênio humilhado
Voou de volta pra casa

Joquim
Joquim
Nau da loucura no mar das idéias

Joquim
Joquim
Quem eram esses canalhas que vieram acabar contigo?

No final de longa crise depressiva
Ele raspou completamente a cabeça
E voltou à velha forma com a força triplicada
Por tudo o que passou
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Que o cara não se entregava

Deflagrou uma furiosa campanha de denúncias e protestos
Contra os poderosos
Jogou livros e panfletos do avião
Foi implacável em discursos notáveis
Uma noite incendiaram sua casa
E lhe deram quatro tiros
Do meio da rua ele viu as balas
Chegando lentamente

Os assassinos fugiram num carro
Que como eles nunca se encontrou
Joquim cambaleou ferido alguns instantes
E acabou caído no meio-fio
Ao amigo que veio ajudá-lo, falou
Me dê apenas mais um tiro por favor
Olha pra mim, não há nada mais triste
Que um homem movendo de frio...

Joquim
Joquim
Nau da loucura no mar das idéias

Joquim
Joquim
Quem eram esses canalhas que vieram acabar contigo?

Joquim
Joquim
Nau da loucura no mar das idéias

Joquim
Joquim
Quem eram esses canalhas que vieram acabar contigo?
Ôh, ôh, ôh...

Joaquim

Satolep, night
In the midst of a civil war
The moonlight in the window wouldn’t let the baroness sleep
The voice of Caruso echoed in the empty theatre
Here at this hour, he was born
According to what they told me

Joaquim was the youngest, before him there were six brothers
The bizarre son grew up, with the bizarre gift of invention
Crazy, crazy Joaquim, the crazy one with the blue hat
Everybody talked and everybody knew
When the guy was up to something again

Joaquim
Joaquim
Ship of madness in the sea of ideas

Joaquim
Joaquim
Who were these scoundrels who came to put an end to you?

Very early he was expelled from some schools
And swore, in this mud I will not sink again
He renovated a small workshop
With the money he earned by selling old inventions
He took his books, his projects there
His bed and lots of wool clothes
Always cold, he did everything
To kill this invisible enemy

Life was fast in this house
At the bottom of South America
The genius and his incredible machines
That not even Jules Verne dreamed of
The eyes of the young prophet
Seeing things that I only saw yesterday
An eternal restlessness and virtuous revolt
Leading the libertarian

December 1937
One night before going out
He called his wife and children and said
If I disappear, look for me right away
And I don't know exactly where he went
I only know that he would have shouted to a small crowd
To the tyrant pig and his heinous law
Our spit and our contempt

Joaquim
Joaquim
Ship of madness in the sea of ideas

Joaquim
Joaquim
Who were these scoundrels who came to put an end to you?

In the middle of the night, alone
He was arrested by strange men
They boarded a dark ship
And in the morning they went to the capital
A few days later, tired and cold
Joaquim wanted to know where he was
And in an air of cigarettes
From some snake lips, he heard
You are where you are going to die

Thrown into a dark cell
Between the beginning of hell and the end of heaven
That's how, after many stories
The woman finally found him
And he still stayed there for another two years
Always a free man despite slavery
The bars, the cold, but new projects
Including a plane

The world was burning in war
When crazy Joaquim got out of prison
The guards burned the projects and the books
And he just laughed and left
In Satolep, he alternated work
With long hours under the sun
In a glass room on the terrace of the house
Reading Artaud, Rimbaud, Breton

Joaquim
Joaquim
Ship of madness in the sea of ideas

Joaquim
Joaquim
Who were these scoundrels who came to put an end to you?

In the early fifties
He flew over the orange grove
In a plane built solely from memories
Of what he had written in prison
And determined to make others, others and others
Joaquim went to Rio de Janeiro
To the right bodies, the utterly incompetent ones
They took out a license

The guy there responsible for these things told him
It's all right, it's all very well
The plane is amazing, I've seen it
But the license doesn't just depend on me
And so it remained for several months
The great fool licking the mold off the ties
In the forgotten light of waiting rooms
The madman and his hat

One day someone sent him a decisive note
And of course, didn't sign it below
Give up, it was written, many others have tried
And they made fools of themselves
It's a lot of money, a lot of pressure
Not even God could
And the tired madman, the humiliated genius
Flew back home

Joaquim
Joaquim
Ship of madness in the sea of ideas

Joaquim
Joaquim
Who were these scoundrels who came to put an end to you?

At the end of a long depressive crisis
He completely shaved his head
And returned to the old form with tripled strength
For everything he went through
Crazy, crazy Joaquim
The crazy one with the blue hat
Everybody talked and everybody knew
That the guy didn't give up

He launched a furious campaign of denunciations and protests
Against the powerful
He threw books and pamphlets from the plane
He was relentless in remarkable speeches
One night they burned down his house
And shot him four times
From the middle of the street he saw the bullets
Coming slowly

The assassins fled in a car
That, like them, was never found
Joaquim staggered wounded for a few moments
And ended up falling on the curb
To the friend who came to help him, he said
Just give me one more shot, please
Look at me, there's nothing sadder
Than a man shivering from the cold...

Joaquim
Joaquim
Ship of madness in the sea of ideas

Joaquim
Joaquim
Who were these scoundrels who came to put an end to you?

Joaquim
Joaquim
Ship of madness in the sea of ideas

Joaquim
Joaquim
Who were these scoundrels who came to put an end to you?
Oh, oh, oh...