Текст и перевод песни Maria Bethânia - Dois Excertos de Odes (Ode À Noite)

Dois Excertos de Odes (Ode À Noite)

Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...
Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos.
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma.
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.

Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo
E só alcançamos onde o nosso braço chega,
E só vemos até onde chega o nosso olhar.

Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados,
Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.
Vem, lá do fundo
Do horizonte lívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde — quem sabe? — Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo...

Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo dorso da fera,
E acalma-o misteriosamente,
ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!

Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste
À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E que viste nascer Jeová e Júpiter,
E sorriste porque tudo te é falso é inútil.

Vem, Noite silenciosa e extática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coração...
Serenamente como uma brisa na tarde leve,
Tranqüilamente com um gesto materno afagando.
Com as estrelas luzindo nas tuas mãos
E a lua máscara misteriosa sobre a tua face.
Todos os sons soam de outra maneira
Quando tu vens.
Quando tu entras baixam todas as vozes,
Ninguém te vê entrar.
Ninguém sabe quando entraste,
Senão de repente, vendo que tudo se recolhe,
Que tudo perde as arestas e as cores,
E que no alto céu ainda claramente azul
Já crescente nítido, ou círculo branco, ou mera luz nova que vem.

A lua começa a ser real.

Two Excerpts from Odes (Ode to the Night)

Come, ancient and identical Night,
Night Queen born dethroned,
Night equal inside to silence, Night
With the stars like swift sequins
On your dress fringed with Infinity.

Come, vaguely,
Come, lightly,
Come alone, solemn, with your hands fallen
By your side, come
And bring the distant mountains to the foot of the nearby trees,
Merge into one field of yours all the fields that I see,
Make the mountain a single block of your body,
Erase all the differences that I see from afar,
All the roads that climb it,
All the various trees that make it dark green in the distance.
All the white houses with smoke among the trees,
And leave only one light and another light and another,
In the imprecise and vaguely disturbing distance,
In the distance suddenly impossible to travel.

Our Lady
Of impossible things that we seek in vain,
Of dreams that come to us at dusk, at the window,
Of purposes that caress us
On the grand terraces of cosmopolitan hotels
To the European sound of music and voices far and near,
And that hurt because we know we will never realize them...
Come, and rock us,
Come and caress us.
Kiss us silently on the forehead,
So lightly on the forehead that we do not know we are being kissed
Except for a difference in the soul.
And a vague sob leaving melodiously
From the most ancient part of us
Where all these trees of wonder have their roots
Whose fruits are the dreams that we caress and love
Because we know they are out of touch with what is in life.

Come solemn,
Solemn and full
Of a hidden desire to sob,
Perhaps because the soul is large and life is small,
And not all gestures leave our body
And we only reach where our arm reaches,
And we only see as far as our eyes can see.

Come, sorrowful,
Mater Dolorosa of the Anguishes of the Timid,
Turris Eburnea of the Sorrows of the Despised,
Cool hand on the feverish forehead of the humble,
Taste of water on the dry lips of the Weary.
Come, from the depths
Of the livid horizon,
Come and pluck me
From the soil of anguish and uselessness
Where I thrive.
Pick me from my soil, forgotten marigold,
Leaf by leaf read in me I know not what fate
And defoliate me for your pleasure,
For your silent and cool pleasure.
Throw a leaf of mine to the North,
Where the cities of Today are that I loved so much;
Throw another leaf of mine to the South,
Where are the seas that the Navigators opened;
Throw another leaf of mine to the West,
Where everything that may be the Future burns red,
Which I adore without knowing;
And the other, the others, the rest of me
Throw to the East,
To the East where everything comes from, day and faith,
To the pompous and fanatical and warm East,
To the excessive East that I will never see,
To the Buddhist, Brahminical, Shinto East,
To the East that has everything that we do not have,
That is everything that we are not,
To the East where — who knows? — Christ may still live today,
Where God may really exist and command everything...

Come over the seas,
Over the greater seas,
Over the seas without precise horizons,
Come and run your hand over the back of the beast,
And calm him mysteriously,
O hypnotic tamer of things that move too much!

Come, carefully,
Come, maternal,
Foot before foot ancient nurse, who sat
At the bedside of the gods of faiths already lost,
And who saw Jehovah and Jupiter born,
And smiled because everything is false and useless to you.

Come, silent and ecstatic Night,
Come and wrap my heart in a white mantle
Of night...
Serenely like a breeze on a light afternoon,
Calmly with a maternal gesture caressing.
With the stars shining in your hands
And the moon a mysterious mask on your face.
All sounds sound different
When you come.
When you enter all voices lower,
No one sees you enter.
No one knows when you entered,
Except suddenly, seeing that everything withdraws,
That everything loses its edges and colors,
And that in the high sky still clearly blue
Already growing clear, or white circle, or mere new light coming.

The moon begins to be real.