Lyrics Desespero da Piedade - Vinicius de Moraes
O
Desespero
da
Piedade
Que
é
um
poema
constante
De
uma
elegia
que
se
chama
Elegia
do
Desesperado
Meu
senhor,
tende
piedade
dos
que
andam
de
bonde
E
sonham
no
longo
percurso
com
automóveis,
apartamentos
Mas
tende
piedade
também
dos
que
andam
de
automóvel
Quando
enfrentam
a
cidade
movediça
de
sonâmbulos,
na
direção
Tende
piedade
das
pequenas
famílias
suburbanas
E
em
particular
dos
adolescentes
que
se
embebedam
de
domingos
Mas
tende
mais
piedade
ainda
de
dois
elegantes
que
passam
E
sem
saber
inventam
a
doutrina
do
pão
e
da
guilhotina
Tende
muita
piedade
do
mocinho
franzino,
três
cruzes,
poeta
Que
só
tem
de
seu
as
costeletas
e
a
namorada
pequenina
Mas
tende
mais
piedade
ainda
do
impávido
forte
colosso
do
esporte
E
que
se
encaminha
lutando,
remando,
nadando
para
a
morte
Tende
imensa
piedade
dos
músicos
dos
cafés
e
casas
de
chá
Que
são
virtuosos
da
própria
tristeza
e
solidão
Mas
tende
piedade
também
dos
que
buscam
silêncio
E
súbito
se
abate
sobre
eles
uma
ária
da
Tosca
Não
esqueçais
também
em
vossa
piedade
os
pobres
que
enriqueceram
E
para
quem
o
suicídio
ainda
é
a
mais
doce
solução
Mas
tende
realmente
piedade
dos
ricos
que
empobreceram
E
tornam-se
heróicos
e
à
santa
pobreza
dão
um
ar
de
grandeza
Tende
infinita
piedade
dos
vendedores
de
passarinhos
Que
em
suas
alminhas
claras
deixam
a
lágrima
e
a
incompreensão
E
tende
piedade
também,
menor
embora,
dos
vendedores
de
balcão
Que
amam
as
freguesas
e
saem
de
noite,
quem
sabe
onde
vão
Tende
piedade
dos
barbeiros
em
geral,
e
dos
cabeleireiros
Que
se
efeminam
por
profissão
mas
que
são
humildes
nas
suas
carícias
Mas
tende
mais
piedade
ainda
dos
que
cortam
o
cabelo:
Que
espera,
que
angústia,
que
indigno,
meu
Deus
Tende
piedade
dos
sapateiros
e
caixeiros
de
sapataria
Que
lembram
madalenas
arrependidas
pedindo
piedade
pelos
sapatos
Mas
lembrai-vos
também
dos
que
se
calçam
de
novo
Nada
pior
que
um
sapato
apertado,
Senhor
Deus
Tende
piedade
dos
homens
úteis
como
os
dentistas
Que
sofrem
de
utilidade
e
vivem
para
fazer
sofrer
Mas
tende
mais
piedade
dos
veterinários
e
práticos
de
farmácia
Que
muito
eles
gostariam
de
ser
médicos,
Senhor
Tende
piedade
dos
homens
públicos
e
em
particular
dos
políticos
Pela
sua
fala
fácil,
olhar
brilhante
e
segurança
dos
gestos
de
mão
Mas
tende
mais
piedade
ainda
dos
seus
criados,
próximos
e
parentes
Fazei,
Senhor,
com
que
deles
não
saiam
políticos
também
E
no
longo
capítulo
das
mulheres,
Senhor,
tende
piedade
das
mulheres
Castigai
minha
alma,
mas
tende
piedade
das
mulheres
Enlouquecei
meu
espírito,
mas
tende
piedade
das
mulheres
Úlcerai
minha
carne,
mas
tende
piedade
das
mulheres!
Tende
piedade
da
moça
feia
que
serve
na
vida
De
casa,
comida
e
roupa
lavada
da
moça
bonita
Mas
tende
mais
piedade
ainda
da
moça
bonita
Que
o
homem
molesta,
que
o
homem
não
presta,
não
presta,
meu
Deus!
Tende
piedade
das
moças
pequenas
das
ruas
transversais
Que
de
apoio
na
vida
só
têm
Santa
Janela
da
Consolação
E
sonham
exaltadas
nos
quartos
humildes
Os
olhos
perdidos
e
o
seio
na
mão
Tende
piedade
da
mulher
no
primeiro
coito
Onde
se
cria
a
primeira
alegria
da
Criação
E
onde
se
consuma
a
tragédia
dos
anjos
E
onde
a
morte
encontra
a
vida
em
desintegração
Tende
piedade
da
mulher
no
instante
do
parto
Onde
ela
é
como
a
água
explodindo
em
convulsão
Onde
ela
é
como
a
terra
vomitando
cólera
Onde
ela
é
como
a
lua
parindo
desilusão
Tende
piedade
das
mulheres
chamadas
desquitadas
Porque
nelas
se
refaz
misteriosamente
a
virgindade
Mas
tende
piedade
também
das
mulheres
casadas
Que
se
sacrificam
e
se
simplificam
a
troco
de
nada
Tende
piedade,
Senhor,
das
mulheres
chamadas
vagabundas
Que
são
desgraçadas
e
são
exploradas
e
são
infecundas
Mas
que
vendem
barato
muito
instante
de
esquecimento
E
em
paga
o
homem
mata
com
a
navalha,
com
o
fogo,
com
o
veneno
Tende
piedade,
Senhor,
das
primeiras
namoradas
De
corpo
hermético
e
coração
patético
Que
saem
à
rua
felizes
mas
que
sempre
entram
desgraçadas
Que
se
crêem
vestidas
mas
que
em
verdade
vivem
nuas
Tende
piedade,
Senhor,
de
todas
as
mulheres
Que
ninguém
mais
merece
tanto
amor
e
amizade
Que
ninguém
mais
deseja
tanto
poesia
e
sinceridade
Que
ninguém
mais
precisa
tanto
de
alegria
e
serenidade
Tende
infinita
piedade
delas,
Senhor,
que
são
puras
Que
são
crianças
e
são
trágicas
e
são
belas
Que
caminham
ao
sopro
dos
ventos
e
que
pecam
E
que
têm
a
única
emoção
da
vida
nelas
Tende
piedade
delas,
Senhor,
que
uma
me
disse
Ter
piedade
de
si
mesma
e
de
sua
louca
mocidade
E
outra,
à
simples
emoção
do
amor
piedoso
Delirava
e
se
desfazia
em
gozos
de
amor
de
carne
Tende
piedade
delas,
Senhor,
que
dentro
delas
A
vida
fere
mais
fundo
e
mais
fecundo
E
o
sexo
está
nelas,
e
o
mundo
está
nelas
E
a
loucura
reside
nesse
mundo
Tende
piedade,
Senhor,
das
santas
mulheres
Dos
meninos
velhos,
dos
homens
humilhados
sede
enfim
Piedoso
com
todos,
que
tudo
merece
piedade
E
se
piedade
vos
sobrar,
Senhor,
tende
piedade
de
mim!
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