Lyrics Sob O Trópico de Câncer - Vinicius de Moraes
"O
câncer
é
a
tristeza
das
células
— (Jayme
Ovalle)".
I
Sai,
Câncer
Desaparece,
parte,
sai
do
mundo
Volta
à
galáxia
onde
fermentam
Os
íncubos
da
vida,
de
que
és
A
forma
inversa.
Vai,
foge
do
mundo
Monstruosa
tarântula,
hediondo
Caranguejo
incolor,
fétida
anêmona
Carnívora!
Sai,
Câncer.
Furbo
anão
de
unhas
sujas
e
roídas
Monstrengo
sub-reptício,
glabro
homúnculo
Que
empestas
as
brancas
madrugadas
Com
teu
suave
mau
cheiro
de
necrose
Enquanto
largas
sob
as
portas
Teus
sebentos
volantes
genocidas
Sai,
get
out,
va-t-en,
henaus
Tu
e
tua
capa
de
matéria
plástica
Tu
e
tuas
galochas
Tu
e
tua
gravata
carcomida
E
torna,
abjeto,
ao
Trópico
Cujo
nome
roubaste.
Deixa
os
homens
em
sossego
Odioso
mascate;
fecha
o
zíper
De
tua
gorda
pasta
que
amontoa
Caranguejos,
baratas,
sapos,
lesmas
Movendo-se
em
seu
visgo,
em
meio
a
amostras
De
óleo,
graxas,
corantes,
germicidas,
Sai,
Câncer
Fecha
a
tenaz
e
diz
adeus
à
Terra
Em
saudação
fascista;
galga,
aranha,
Contra
o
teu
próprio
fio
E
vai
morrer
de
tua
própria
síntese
Na
poeira
atômica
que
se
acumula
na
cúpula
do
mundo.
Adeus
Grumo
louco,
multiplicador
incalculável,
tu
De
quem
nenhum
Cérebro
Eletrônico
poderá
jamais
seguir
a
matemática.
Parte,
poneta
ahuera,
andate
via
Glauco
espectro,
gosmento
camelô
Da
morte
anterior
à
eternidade.
Não
és
mais
forte
do
que
o
homem
— rua!
Grasso
e
gomalinado
camelô,
que
prescreves
A
dívida
humana
sem
aviso
prévio,
ignóbil
Meirinho,
Câncer,
vil
tristeza...
Amada,
fecha
a
porta,
corta
os
fios,
Não
preste
nunca
ouvidos
ao
que
o
mercador
contar!
II
Cordis
sinistra
— Ora
pro
nobis
Tabis
dorsalis
— Ora
pro
nobis
Marasmus
phthisis
— Ora
pro
nobis
Delirium
tremens
— Ora
pro
nobis
Fluxus
cruentum
— Ora
pro
nobis
Apoplexia
parva
— Ora
pro
nobis
Lues
venérea
— Ora
pro
nobis
Entesia
tetanus
— Ora
pro
nobis
Saltus
viti
— Ora
pro
nobis
Astralis
sideratus
— Ora
pro
nobis
Morbus
attonitus
— Ora
pro
nobis
Mama
universalis
— Ora
pro
nobis
Cholera
morbus
— Ora
pro
nobis
Vomitus
cruentus
— Ora
pro
nobis
Empresma
carditis
— Ora
pro
nobis
Fellis
suffusio
— Ora
pro
nobis
Phallorrhoea
virulenta
— Ora
pro
nobis
Gutta
serena
— Ora
pro
nobis
Angina
canina
— Ora
pro
nobis
Lepra
leontina
— Ora
pro
nobis
Lupus
vorax
— Ora
pro
nobis
Tônus
trismus
— Ora
pro
nobis
Angina
pectoria
— Ora
pro
nobis
Et
libera
nobis
omnia
Câncer
— Amém.
III
Há
1 célula
em
mim
que
quer
respirar
e
não
pode
Há
2 células
em
mim
que
querem
respirar
e
não
podem
Há
4 células
em
mim
que
querem
respirar
e
não
podem
Há
16
células
em
mim
que
querem
respirar
e
não
podem
Há
256
células
em
mim
que
quer
respirar
e
não
podem
Há
65.536
células
em
mim
que
querem
respirar
e
não
podem
Há
4.294.967.296
células
em
mim
que
quer
respirar
e
não
podem
Há
18.446.744.073.709.551.616
células
em
mim
que
querem
respirar
e
não
podem
Há
340.282.366.920.938.463.374.607.431.768.211.456
células
em
mim
que
querem
respirar
e
não
podem.
IV
— Minha
senhora,
lamento
muito,
mas
é
meu
dever
informá-la
de
que
seu
marido
é
portador
de
um
tumor
maligno
no
fígado...
— Meu
caro
senhor,
tenho
que
comunicar-lhe
que
sua
esposa
terá
que
operar-se
de
uma
neoplastia
do
útero...
— É,
infelizmente
a
biopsia
revela
um
osteo-sarcoma
no
menino.
É
impossível
prever...
— É
a
dura
realidade,
meu
amigo.
Sua
mãe...
— Seu
pai
ainda
é
um
homem
forte,
vai
agüentar
bem
a
intervenção...
— Sua
avó
está
muito
velhinha,
mas
nós
faremos
o
possível...
— Veja
você...
E
é
cancerologista...
— Coitado,
não
tinha
onde
cair
morto.
E
logo
câncer...
— Há
muito
operário
que
morre
de
câncer.
Mas
câncer
de
pobre
não
tem
vez...
— Era
nosso
melhor
piloto.
Mas
o
câncer
de
intestino
não
perdoa...
— Qual
o
que,
meu
caro,
não
se
assuste
prematuramente.
Câncer
não
dá
em
deputado...
— Parece
que
o
General
está
com
câncer...
— Tão
boa
atriz...
E
depois,
tão
linda...
— Que
coisa!
O
Governador
parecia
tão
bem
disposto...
— Se
for
câncer,
o
Presidente
não
termina
o
mandato...
— Não
me
diga?
O
Rei...
— Mentira...
O
Papa?...
— E
atenção
para
a
última
notícia.
Estamos
ligados
com
a
Interplat
666...
— DEUS
ESTÁ
COM
CÂNCER.
Os
versos
acima
foram
publicados
no
jornal
"O
Pasquim"
— Rio
de
Janeiro
—edição
nº.
47,
de
07
a
13/05/1970,
pág.
6.
A
segunda
parte
do
poema,
até
o
momento,
ao
que
nos
consta,
ainda
não
publicada,
será
apresentada
posteriormente.
Attention! Feel free to leave feedback.